Exposição Querubim Lapa: Pintura e cerâmica
O percurso expositivo começa no piso 0, reportando o período de 1946 a 1959.
Tendo começado a pintar em 1945, Querubim Lapa afirma-se neorrealista, ainda estudante, e realiza desenhos e pinturas que modernizam a tradição realista. A vida precária e ambulante das subcamadas sociais, a pausa do trabalho explorado, muitas vezes ligada à vida do mar, e a condição da mulher, adquirem todo o protagonismo, implicando um trabalho de resistência à ditadura de Salazar.
No curso da década de 1950, dá-se uma inflexão na pintura do artista. Os temas sociais permanecem, agora mediados por um lirismo que favorece a abertura de cor e a volumetrização acentuada das formas, que tendem a abstratizar-se e a admitir formulações surrealizantes. A figura humana torna-se hierática e a pintura ganha valor escultórico.
A aproximação da pintura à cerâmica intui-se e justifica o primeiro núcleo de cerâmica da exposição. A par dos grandes projetos de integração arquitetónica, iniciados em 1954, com o revestimento parietal do Centro Comercial do Restelo, em Lisboa, o artista concebe painéis cerâmicos para interiores diversos, a par de uma vasta linha de objetos decorativos que revisitam a cerâmica utilitária popular e a modernizam. Figuras híbridas, onde seres humanos, animais, vegetais e objetos se interrelacionam, formam um novo reportório bem-humorado assente num sistema de produção de peça única, que o artista pratica ao longo da sua obra.
Os quatro núcleos apresentados no piso 1 reúnem fases incontornáveis da produção artística de Querubim Lapa, desenvolvida entre as décadas de 1960 e 1990.
Os anos de 1962 e 1963 são fulcrais na sua cerâmica. Datam deste curto período as célebres intervenções na pastelaria Mexicana e da Casa da Sorte, em Lisboa, e o projeto para o Hotel do Mar, em Sesimbra.
É também nesta altura que o artista realiza uma ampla série de placas cerâmicas, baseadas na invenção de novas técnicas, assentes em contrastes de vidrados e de esmaltes. Os resultados estéticos são surpreendentes e variam entre a formação de aglomerados, misturas e separação de cores, passagens aquosas, craquelés, velaturas, transparências e opacidades. Neles encontramos figuras híbridas a caminho de uma desfiguração geral, obtida por efeitos expressivos que fundem a pintura na cerâmica.
Estes trabalhos são confrontados com uma série de placas mais tardias, desenvolvidas na década de 1970, que integram a técnica da assemblagem, onde o artista “cola”, combina e sobrepõe, pratos, crustáceos e carrancas de leão apropriados das fábricas de faiança Viúva Lamego e Bordalo Pinheiro sobre fundos mais lisos ou mais relevados, mais expressivos ou quase monocromáticos. De salientar também as experiências de escala e o formato recortado de algumas peças.
A pintura deste período percorre um trajeto análogo. Em 1963, o artista cria um conjunto de telas texturadas e expressivas, de pincelada rápida, gestual, que levam a forma até aos limites do seu reconhecimento através de uma linguagem informalista. Os corpos alongam-se, são rugosos, contorcidos, aproximam-se do grotesco ou dão lugar a explosões de cores irisadas. A ênfase sobre a materialidade da pintura supõe espontaneidade e a forma humana, quase primitiva, é intuída como argila bruta.
Em 1974, os Nenúfares de Claude Monet são usados como referência central numa nova série de pinturas. A tela e os elementos iconográficos das pinturas de Monet, são desmontados, metamorfoseados e reorganizados por Querubim Lapa, de modo a criar sobreposições e desdobramentos de planos que interrogam o espaço e os elementos da pintura. O tema da pintura é agora a própria pintura: a sua história e as suas convenções técnicas.
A exposição termina com um núcleo de painéis azulejares enxaquetados de composição geométrica, realizados entre 1992 e 1994. Reinterpretam os primórdios da azulejaria portuguesa, sobretudo do azulejo enxaquetado, verde e branco, do século XVI, que reveste as paredes da Sala dos Cisnes do Palácio Nacional de Sintra, e por vezes combinam outras técnicas: o engobe, o esponjado e o recorte. Podem articular insígnias, elementos biomórficos e efeitos de padrão; tensões entre ilusões óticas e aspetos da pintura concretista, e assumir a abstração plena, estabelecendo jogos percetivos e contiguidades entre as formas dos elementos interiores e o próprio formato dos painéis. No conjunto, constituem um exemplo maior da cerâmica pós-modernista em Portugal.
Curadoria: Sofia Nunes